Pós-graduações IMED 2013

domingo, 22 de dezembro de 2013

O medo apagado

O medo é uma reação instintiva que auxilia os animais a evitar situações aversivas, aumentando as chances de sobrevivência. A seleção natural promoveu a reprodução e o refinamento deste comportamento como uma estratégia para manter o organismo vivo, pelo aprendizado da diferença entre o que é seguro e o que aparentemente não é.

Contudo, experiências de medo excessivo podem ter efeitos colaterais, como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O DSM-5 (2013) refere este transtorno como uma situação de exposição a situações que geraram risco de morte, lesões ou violência sexual, seja ela vivida ou presenciada.

Fonte: iStock/HMS

Os principais sintomas do TEPT são a recorrência involuntária de memórias intrusivas do evento e um esforço importante para evitar essas memórias, sonhos relacionados à situação e problemas de sono, uma revivência do trauma, como se estivesse novamente o presenciando e evitação de pessoas e situações que possam relembrar o trauma. Além disso, pode ocorrer "apagões" de memórias relacionadas ao evento, medo de estranhos, dificuldades de concentração. Finalmente, os aspectos emocionais incluem um sentimento de ser mau por ter passado pelo evento, culpa, medo, irritabilidade aumentada, vergonha e dificuldade para sentir novamente emoções positivas.

Como estratégia de tratamento deste quadro, pesquisadores do McLean Hospital da Harvard Medical School relataram que a alteração da atividade da córtex pré-frontal medial está associada com uma redução da atividade da amígdala, estrutura cerebral associada a comportamentos de medo. O pesquisador Vadim Bolshakov publicou um artigo na revista Neuron onde relata que as experiências de medo em ratos foram suprimidas através da estimulação desta região da córtex. Assim, houve uma inibição do funcionamento da amígdala, e as reações fortes de medo que antes ocorriam passaram a praticamente não ocorrer mais.

Esse achado pode ajudar de forma importante a tratar pessoas com dificuldades severas em lidar com o medo, especialmente para aquelas que a psicoterapia não esteja sendo eficaz. O conhecimento dos circuitos cerebrais envolvidos nas respostas emocionais é fundamental para compreendermos os mecanismos do comportamento, além de fornecer novos recursos terapêuticos para o tratamento de psicopatologias.

sábado, 31 de agosto de 2013

Cidades inteligentes e o comportamento humano

Há alguns anos já se vem discutindo, especialmente via governos e grandes empresas como a Siemens e a IBM um conceito chamado de cidade inteligente. Nesse conceito, defende-se, em linhas gerais, que as tecnologias de informação são ferramentas que permitem modificações fundamentais sobre a forma como gerimos recursos e como nos relacionamos com o ambiente.

Uma das características principais das cidades inteligentes é a capacidade de estar "conectada", ou seja, de captar e processar informações, derivados de diferentes meios - tais como câmeras ou outros tipos de sensores - para que estas informações possam ser utilizadas para resolver problemas diversos, e otimizar recursos. Por exemplo, hoje tem-se a capacidade de identificar se uma determinada região está com as vias de trânsito obstruídas devido a um acidente; uma cidade inteligente é capaz de reduzir ou evitar congestionamentos através do monitoramento de vias de grande tráfego, desviando-o quando necessário para outras vias alternativas. Da mesma forma, uma gestão inteligente de recursos pode evitar problemas como apagões elétricos, que traz prejuízo a todos, através da previsão de um aumento do consumo de eletricidade.


Se os benefícios e as possibilidades dos recursos tecnológicos para se constituir e gerir cidades inteligentes é um recente, o conceito do uso de estratégias inteligentes para modificar padrões humanos de comportamento social não é. A psicologia e a sociologia já vem estudando aquilo que hoje chamamos de cidades inteligentes, focando em possibilidades de modificação do comportamento, há algumas décadas.

Um destes casos em especial chama-se Walden II. B. F. Skinner escreveu em 1945 um romance onde um grupo de pessoas descreve uma cidade planejada de acordo com a "engenharia comportamental" derivada dos conceitos fundamentais da teoria behaviorista. Ele propõe soluções para a educação, criação das crianças, educação e o trabalho. Um dos exemplos disso refere-se à escolha das profissões, onde Frazier, o idealizador da cidade, explica que um dos elementos que faz com que as pessoas escolham determinadas profissões seja a remuneração potencial, tanto quanto o status que a sociedade atribui a esta ocupação.

Por óbvio que a sociedade mudou muito desde que Walden II foi escrito, e também que nem todos os seus elementos podem ser aplicados diretamente na sociedade de hoje. Entretanto, é interessante observar que há um paralelo entre o que hoje chamamos de cidades inteligentes e o planejamento da vida, e que é crescente a necessidade de discutir estes temas coletivamente. Uma cidade verdadeiramente inteligente será aquela que seja capaz de discutir e alterar aspectos fundamentais da vida de forma importante para todos, para além das questões de destino de dejetos e eficiência energética.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O fim da avaliação multiaxial

Nas terceira e quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e de Comportamento da Associação Psiquiátrica Americana (DSM), a presença da avaliação multiaxial apresentou-se como uma das características definidoras da forma como os transtornos mentais eram avaliados pelos clínicos. Contudo, na versão mais recente - o DSM-5 -, o sistema multiaxial deixa de existir como estratégia de avaliação do comportamento.


De acordo com a APA, o DSM-III introduziu um número significativo de inovações, que incluíam critérios diagnósticos explícitos e o sistema multiaxial, além de uma abordagem ateórica para a etiologia dos transtornos mentais. A estrutura multiaxial perdurou no DSM-IV e no DSM-IV-TR, e orientou uma geração inteira de clínicos no sentido de observar, além dos transtornos mentais, de personalidade e retardo mental, doenças orgânicas associadas aos transtornos, a influência e os efeitos de variáveis psicossociais e ambientais sobre o comportamento patológico e uma escala de avaliação global do funcionamento (AGF).

Esta avaliação multiaxial buscou transcender o simples "olhar para o transtorno mental", forçando o clínico a compreender a dimensão orgânica do paciente, mas principalmente a influência de fatores externos sobre o seu comportamento. Este olhar mais amplo permitia uma visão de dimensões que, possivelmente, estivessem fora do alcance do clínico, mas que estão muito relacionadas com o surgimento e a manutenção dos sintomas.

As razões para tal mudança, segundo o manual lançado no mês de maio passado nos Estados Unidos, seriam que a avaliação multiaxial não era obrigatória para o diagnóstico de transtornos mentais, pois os eixos III, IV e V não contribuiriam diretamente para o diagnóstico do paciente. Embora o eixo IV - problemas psicossociais e ambientais - estivesse diretamente relacionado com o transtorno atual, ele não fornecia elementos diagnósticos (sintomas) que contribuíssem para a avaliação do paciente, mas forneceria dados referentes ao ambiente. Assim, a proposta é a de que, havendo a necessidade de apontar os fatores ambientais, que se utilize os códigos Z da CID-10.

Em relação ao eixo V - AGF -, a principal justificativa pela exclusão seria a de que a pontuação proposta não apresentava características psicométricas compatíveis com a prática cotidiana do clínico, embasando-se num juízo mais subjetivo, além de propor sintomas que não estavam necessariamente relacionados com o diagnóstico do eixo I. Como alternativa, o DSM-5 propõe outras escalas para avaliação do paciente, tais como a escala de avaliação de prejuízo da OMS, havendo a necessidade de avaliar o funcionamento global do paciente com parâmetros já estudados.

Embora o DSM-5 ofereça uma lista ampliada de diagnósticos, incluindo transtornos que em versões anteriores estavam incorporados em outros (como por exemplo o Transtorno Disfórico Pré-Menstrual) ou que mereciam destaque tendo-se em vista os elevados prejuízos que produzem (como o Transtorno de Acumulação), corre-se o risco que, com a eliminação do sistema multiaxial, o clínico fique mais focado numa avaliação do paciente per se, talvez não focando-se com a atenção necessária para elementos ambientais fortemente relacionados com o transtorno apresentado no momento pelo paciente. É fundamental que o clínico mantenha-se atento para o paciente como um todo, o que inclui seu ambiente e sua história, pois somente desta forma será possível avaliar da forma mais adequada possível o quadro, bem como efetuar o melhor planejamento terapêutico.

segunda-feira, 25 de março de 2013

A liberdade da ciência


Sempre se discutiu e preconizou que a ciência é um empreendimento aberto a críticas e evolui a partir das próprias falhas. Esse foi e deve ser o princípio que a rege, pois se for diferente, ela passa a ser outro tipo de conhecimento, que não ciência. Esse é, com certeza, a força que possui: submeter as boas (e até mesmo más) ideias aos pares. A crítica das idéias é o seu motor.




Para que estas ideias sejam veiculadas, os principais mecanismos de divulgação são os periódicos científicos. Neles, os próprios pares - os cientistas - são os agentes que avaliam se o que está escrito nos artigos foi adequadamente redigido, se o método aplicado está em harmonia com os cânones da ciência e se os resultados conseguem efetivamente confirmar o que já se sabe ou se há a inclusão de algo diferenciado. Após isso, há a indicação ou não de publicação do artigo.

Na maioria dos bons periódicos esta avaliação é feita às cegas, ou seja, quem recebe o artigo encaminhado não sabe quem o escreveu. Assim, haveria uma avaliação mais segura, visto que eventuais influências políticas seriam evitadas, por um processo chamado de avaliação cega por pares (blind peer review).

Mas é interessante observar que, se o processo blind peer review é confiável, algumas políticas editoriais podem ser plenamente questionáveis. Recentemente enviei um artigo para uma revista muito bem qualificada, com assunto totalmente compatível com a proposta temática do periódico e com método adequado. Entretanto, para minha surpresa, recebi uma resposta rápida (o que também não é muito comum em periódicos bastante visados) e amarga: o artigo simplesmente não foi aceito, com pelo menos duas justificativas questionáveis - uma delas dizia que a "relevância" não estava de acordo com os critérios da revista, e a outra dizia que, em virtude do "grande volume" de submissões, muito maior do que podem publicar, ele não passou na pré-avaliação.

Não teria nenhum problema em aceitar um não por uma má qualidade do artigo, ou por ter resultados discutíveis, ou mesmo por outros fatores. Mas isso sequer aconteceu. Não tenho uma visão ingênua e romântica de que não há influências nos processos de seleção de artigos, tanto que aconteceu neste caso como acontece em tantos outros. O que acho deplorável é que há critérios obscuros que interferem na produção da ciência, às vezes com a conivência e aceitação dos próprios cientistas. Reservas de mercado em publicações e outros fatores devem ser combatidos e denunciados. Infelizmente não possuo nenhuma prova cabal disto, e penso que ninguém possua. Mas peço aos editores de periódicos científicos um sério exame de consciência, para que não se priorizem elementos não científicos na seleção. Dar uma oportunidade igualitária a todos deve ser característica da boa ciência e dos bons periódicos.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A psicologia não é a ciência da alma

Uma das primeiras coisas que um estudante de psicologia discute na faculdade é a definição de sua futura área de atuação. No primeiro semestre, as disciplinas apresentam um histórico de como a psicologia foi se constituindo, e constata-se que, em seus primórdios, ela era definida como o estudo (logos) da alma ou espírito (psiqué).


De acordo com o professor William Gomes, do instituto de psicologia da UFRGS, o termo apareceu inicialmente como título de um livro publicado em 1590 por Rudolf Goclenius. Na obra, a definição de psicologia refere-se ao estudo da alma, psique ou da mente. A partir daí, o termo começou a se popularizar gradativamente, e em 1879, quando a psicologia como ciência nasce se separando da filosofia, com a criação do laboratório de psicologia por Wilhelm Wund na universidade de Leipzig na Alemanha, ela torna-se a ciência da mente e do comportamento.

Mas é interessante observar que no imaginário das pessoas, e até mesmo de profissionais da área da saúde, persiste a definição da psicologia como o estudo da alma, e vez por outra o encontramos em artigos e entrevistas. Esta conceituação não é a mais adequada, por várias razões. Primeiramente, quando se fala em alma remete-se, em maior ou menor grau, à crença na existência de algo "imaterial", da qual não se tem comprovada cientificamente a existência. Desta forma, como se pode estudar cientificamente algo que não se pode identificar com clareza, nem manipular de alguma forma? Em segundo lugar, existe uma conotação místico/religiosa quando se fala em alma, pois se pressupõe a existência de algo que persiste à vida do corpo. Assim, seria impossível que ateus, agnósticos ou outros que negassem a existência de algo além do corpo pudessem ser psicólogos, pois ou seriam psicólogos, admitindo essa entidade que controla o comportamento, ou não poderiam ser ateus ou agnósticos.

Atualmente, o corpo científico oficial reconhece que o cérebro é responsável pelo controle e manifestação do comportamento. Existe uma base biológica que permite que possamos nos lembrar, pensar, prestar atenção ao mundo, nos relacionarmos com os outros e amar. E essa base, o cérebro, pode ser manipulada e controlada de várias formas, sem que seja necessário considerar a existência de algo supramaterial. Isso não quer dizer que a psicologia é contra as crenças das pessoas; crer em algo pode ser um bom elemento de prevenção de sofrimento mental. Quer dizer somente que é fundamental deixar demarcadas as fronteiras entre as crenças religiosas e espirituais e a ciência. Só assim será possível fazer boa ciência e deixar que as pessoas mantenham as suas crenças, sem conflitos diretos com o conhecimento científico.

Afinal, nunca é demais dizer, religião e ciência são coisas diferentes, tratam de problemas diferentes; se a religião diz como as pessoas devem se comportar para encontrar a paz ou a salvação, a ciência se ocupa de compreender como o mundo funciona. Por estas razões, é mais acertado dizer que a psicologia é a ciência do comportamento, ou da mente, e não o estudo da alma. Ao fazer isso, mantemos cada coisa em seu lugar.

*Publicado no jornal O Nacional, de 16 e 17 de fevereiro de 2013.

domingo, 13 de janeiro de 2013

O que funciona no tratamento da depressão?


Há algum tempo, a depressão foi considerada o mal do século. Infelizmente este título lhe faz jus, tendo-se em vista os enormes prejuízos sociais e laborais que este transtorno é capaz de gerar.

Estatísticas recentes da Organização Mundial da Saúde apontam que entre 10 e 20 por cento da população já teve ou terá um transtorno depressivo ao longo de sua vida. Resumidamente, os principais sintomas que a depressão apresenta são perda do interesse ou prazer, humor deprimido, mudanças de peso sem serem programadas por dietas ou outras intervenções, insônia ou sono excessivo e fadiga. Pode ocorrer também irritabilidade com agitação, sentimentos de culpa excessivos e dificuldade de concentração, além de pensamentos relacionados com a morte. Estes sintomas precisam estar presentes por, pelo menos, duas semanas, durante todos os dias ou por boa parte dos dias. Portanto, é plenamente compreensível que este seja um transtorno preocupante e incapacitante para as pessoas.


De forma diferente de outras condições médicas, a depressão é um quadro complexo que exige dos psicólogos, psiquiatras e demais profissionais da saúde uma atenção para o diagnóstico e o tratamento. Isso se deve ao fato de que os transtornos mentais são causados, em parte, por fatores biológicos, como a genética, e em parte por fatores comportamentais, como por exemplo a criação, relacionamento com as pessoas significativas e o estresse ambiental. Essa combinação complexa de fatores é única para cada paciente, e precisa ser levada em conta no diagnóstico e no tratamento. Sem atacar estas duas pontas, o problema permanecerá existindo com intensidade.

Não existe atualmente uma fórmula única e infalível para o tratamento da depressão. Embora a indústria farmacêutica avance a cada dia, oferecendo novas estratégias mais eficientes no combate aos sintomas depressivos, dificilmente uma medicação sozinha terá a palavra final no tratamento deste transtorno. Em pesquisa recente publicada pela PLOS ONE, onde Arif Khan, da Northwest Clinical Research Center de Washington, fez um levantamento com 13.802 pacientes que participaram de estudos sobre a depressão entre os anos de 1979 e 2001, foi identificado que o melhor tratamento contra os sintomas depressivos é uma combinação entre psicoterapia e a administração de medicamentos. Esse resultado foi melhor em comparação com a administração isolada de medicamentos e melhor também do que a psicoterapia somente. Assim, há sólidas evidências que é a combinação entre psicoterapia e medicamento o que faz a diferença no tratamento dos quadros depressivos.

Resta por fim lamentar que os convênios não sejam suficientemente sensíveis a estes dados de pesquisas. Focados ainda nos tratamentos médico-biológicos tradicionais, são raros os que aceitam cadastramento de psicólogos para tratamento psicoterápico. Muito se melhoraria a qualidade de vida dos pacientes e a velocidade de resposta terapêutica, com menos dias de hospitalização e outros efeitos danosos, se estes dados fossem considerados. Talvez somente por força de lei, que já vem fazendo bons progressos nos últimos anos, e com muita, mas muita reclamação dos conveniados, que esta barreira seja finalmente derrubada.

*Artigo publicado no jornal O Nacional, de 5 e 6 de janeiro de 2013