Pós-graduações IMED 2013

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Os superpoderosos

Na idade média, os cavaleiros eram considerados os ícones de força e poder físico. Eram os guerreiros que defendiam os territórios feudais e conquistavam outros tantos. Um dos aspectos que lhes conferia esta força era o uso de uma pesada armadura metálica, protegendo dos ataques inimigos, especialmente da espada. Ao mesmo tempo em que a armadura protegia, poderia ser utilizada como arma contra os oponentes. Sentir-se invulnerável é um bom recurso psicológico para aumentar a coragem das pessoas.

Hoje não se usa mais armadura como os cavaleiros medievais. Mas ao que parece, existe uma outra que dá coragem às pessoas. Dá pra pensar, observando o trânsito, que os veículos estão fazendo as vezes destas armaduras. Muitas pessoas parecem se transformar quando estão pilotando um veículo automotor; tornam-se mais ousadas, mais intrépidas, mais destemidas, como se o trânsito fosse uma guerra de todos contra todos. Além de se sentirem protegidas e poderosas, muitas pessoas ficam acima do bem e do mal, e principalmente, acima das leis do trânsito. Dirigir um veículo parece dar uma carta branca, e se pode fazer de tudo: passar sinais fechados, estacionar em faixas de segurança, em fila dupla, na faixa amarela, dispensar o uso de pisca para mudança de direção e, acima de tudo, pilotar em velocidade.

Não quero com esses comentários culpar exclusivamente os motoristas pelas imprudências no trânsito, afinal de contas existem muitos pedestres que também não possuem nenhuma prática segura ao atravessar as ruas e avenidas. Mas existe um ponto que deve ser observado: enquanto qualquer pessoa é pedestre, nem todos os pedestres são motoristas. Para isto, é necessária uma habilitação, ou seja, uma concessão do direito de dirigir. Então, em tese, quem dirige deveria ser mais responsável ainda, afinal de contas demonstrou certa habilidade e deve responder por isso.

Resta compreender por qual razão essa armadura é necessária. Necessitamos nos sentir fortes quando nos percebemos agredidos ou fragilizados por alguma razão. E não faltam, hoje em dia, motivos para estarmos sensíveis: estresse no trabalho, nas relações interpessoais, isso sem falar que o próprio trânsito é fonte de estresse.

Muito se fala que a educação no trânsito deve ser reforçada para modificar nossos comportamentos, e concordo com isso. Mas uma análise sobre nosso comportamento também precisa ser realizada, porque se não combatermos as fontes que nos estressam, o cenário não irá mudar, e a tendência é mesmo piorar. Armaduras são desnecessárias quando estamos, de fato, fortalecidos.

*Artigo publicado no jornal O Nacional, de 25 e 26 de setembro de 2010.
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Texto complementar: Comportamentos no trânsito e causas da agressividade

2 comentários:

Daniel F. Gontijo disse...

Vinícius, é provável que a essência desse tipo de comportamento esteja presente em alguns outros contextos. Por isso, pode ser que as campanhas de educação no trânsito per se não alcancem os efeitos desejados. Problemas no trabalho e em casa, como você citou, e mesmo problemas intrapessoais gerais -- que se expressam em todos esses cenários -- precisam ser devidamente tratados.

No mais, excelente texto e tema. Um abraço.

Vinícius Ferreira disse...

Olá Daniel,

Honestamente eu não acredito em campanhas de conscientização no trânsito sem um efetivo mecanismo de punição.

Historicamente, no Brasil isto não funciona. Às vezes penso que somente podemos contar com a boa vontade de alguns motoristas, pois o poder público é ineficiente para punir com as multas os motoristas infratores.

Sem esta mudança de atitudes, não acredito em mudanças significativas na educação.

Abraço e obrigado pelo comentário.