Pós-graduações IMED 2013

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A necessidade da fé

Alguns estudos em psicologia evolucionista têm apontado que a fé em algo transcendente foi um elemento que ajudou a gerar vantagens evolutivas e, por conseqüência, refinar a complexidade da cultura humana. E isso tem razão de ser se considerarmos as necessidades básicas dos seres humanos, sendo uma delas a necessidade de amparo.

Biologicamente, os seres humanos possuem uma fragilidade constitucional desde a infância, de forma que necessitam receber investimentos de várias espécies: tempo, energia, alimento e afeto. Ou seja, nossa espécie depende primordialmente de outros que possuem habilidades que os membros imaturos não têm. Receber o amparo de um adulto que possui um "poder" dá tranqüilidade e reduz os efeitos do estresse sobre o organismo.

Entretanto, os adultos também possuem uma cota de desamparo, vinda de situações que não são previstas, como mudanças climáticas, doenças e o ataque de outros grupos humanos. Mas quem os iria socorrer? Já são adultos, sendo teoricamente poderosos. Neste momento, os mecanismos de desamparo são ativados, e surge um terreno fértil para o aparecimento dos seres superiores, mais poderosos que os adultos. Se as crianças buscam no adulto o amparo que falta, estes buscam em forças não visíveis os meios para superar as dificuldades.

Agregar na cultura nascente um agente sobrenatural poderoso dá força à comunidade. Mais força ainda tem o agrupamento que se auto-perceber como "escolhido" por essa força superior para ir adiante, sendo seus filhos prediletos em detrimento dos demais seres. Mas este desamparo constitucional, mesmo que baseado em necessidades não racionais, deve continuar sendo preenchido pela crença em algo invisível? Ou poderia a humanidade buscar bases mais racionais e objetivas para preencher esta lacuna?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A ponte frágil

A física é considerada por grande parte dos cientistas como a ciência magna. Seus postulados são considerados como a pedra fundamental do conhecimento do mundo, e várias ciências importam esses saberes para compreender melhor seus objetos específicos de estudo.

Com as ciências humanas, ocorre situação semelhante. Pode-se observar que muitos conceitos da física são transpostos para o estudo do comportamento, da sociedade, da economia, mas é relevante nos questionarmos sobre como é feita esta transposição. Entendemos haver certa inconsistência neste movimento, pois há alguns problemas que nem sempre são adequadamente considerados.

O primeiro deles é a carência de conhecimento dos postulados da física por cientistas humanos. Via de regra, o cientista humano é especialista em determinada área do saber, sendo conhecedor desta com maior ou menor profundidade (e não podia ser de outra forma). Entretanto, como especialista nas ciências humanas, é importante considerar se possui os conhecimentos básicos de física que são necessários para realizar a transposição das idéias deste campo para o campo humano. Se ponderarmos que muito do conhecimento científico do cientista humano está vinculado ao conhecimento obtido no ensino médio ou de leituras de segunda mão da física, esse problema assume relevância.

Segundo, a diferença do objeto investigado exige que a transposição de conhecimentos seja realizada com prudência. Se na física quântica o objeto investigado é a partícula, nas ciências humanas não é. Portanto, pode-se pensar que o raciocínio pode ser forçado ao se querer aplicar as mesmas explicações que servem bem para um fóton para outro contexto e objeto, que é o comportamento humano.

Terceiro, os comportamentos humanos são efetuados por pessoas que são compostas de matéria, mas que não estão diretamente sujeitas aos fenômenos da física quântica. Ludwig Boltzmann (1844-1906) já asseverou em seus estudos de termodinâmica que a matéria se comporta de acordo com a estatística: as propriedades que vemos (extensão, volume, etc.) dependem da grande quantidade de moléculas que estão unidas e se comportam em conjunto. Não se pode considerar que a física do nosso dia-a-dia seja a mesma que a física quântica, porque não é; mas isso não significa que ela é melhor. Só é diferente.

Finalmente, muitos cientistas humanos parecem afirmar que a física quântica se aplicaria melhor do que a física clássica para explicar o comportamento. A física clássica é determinista e impessoal, enquanto que a quântica afirma que o observador interfere no fenômeno. Sim, isto ocorre. Mas podemos utilizar um princípio de semelhança como explicação? é legítimo afirmar que só porque um fenômeno ocorre no muito pequeno assim como ocorre no grande que tudo o mais também passa a valer? Só porque duas coisas são parecidas não quer dizer que estejam relacionadas ou que sejam explicadas pelo mesmo princípio. Além disso, a física, mesmo a quântica, não abre mão da tentativa de prever o comportamento das partículas, ou seja, ela possui um caráter de previsão, ao contrário do que os cientistas humanos gostam de afirmar (não é possível prever o comportamento).

Por óbvio que os conhecimentos produzidos nas demais ciências podem servir como inspiração para a pesquisa em outras áreas. Só não se pode assumir levianamente o que não se conhece, pois desta forma não se estará fazendo ciência de forma séria.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O mundo newtoniano

Issac Newton (1643-1727) foi, certamente, um dos maiores cientistas de todos os tempos. Imerso numa época onde o pensamento aristotélico dominava a cena do conhecimento, propôs com sua genialidade uma visão revolucionária de mundo. Graças a ele se materializou na ciência o dito "Assim na Terra como no Céu", porque antes disso havia uma separação entre o mundo terreno, pecaminoso e imperfeito, e a esfera celeste supralunar, perfeita e divina, a morada das estrelas. Essa unificação permitiu uma visão harmoniosa do universo e alavancou o nascimento da ciência moderna.

Contudo, graças ao progresso científico e à colocação de novas questões originadas pela eletricidade e pela termodinâmica, no século XX o cenário científico modificou-se substancialmente. Uma nova física fez-se necessária para preencher lacunas deixadas pelos conhecimentos produzidos por Newton; paradoxalmente, esses conhecimentos exigiram ferramentas novas, mas trouxe a necessidade de uma revisão profunda no sistema de mundo newtoniano.

Os postulados da nova física fogem ao senso comum, propondo coisas como a impossibilidade de ver a matéria dissociada da energia: estes são dois estados que dizem respeito ao mesmo fenômeno. Descobertas como essa estimularam os pesquisadores das ciências humanas a importar estes princípios para a psicologia e a sociologia, por exemplo. Conceitos como entropia e complexidade hoje permeiam o discurso de vários pensadores, mas pode-se questionar se estes conceitos são adequadamente compreendidos e aplicados, pois mesmo na física há dificuldade para entendê-los.

O que pode agregar como conhecimento nas ciências humanas conceitos como a dualidade e a complexidade? Tem-se a impressão que os cientistas humanos preferiram superar a linguagem e os termos newtonianos para abraçar fortemente os novos conceitos da física, como que dizendo que os antigos conceitos foram totalmente ultrapassados, e termos como "complexidade" explicam melhor os fenômenos humanos do que os antigos termos da física. Mas cuidado: mesmo os físicos dizem que, para fenômenos ordinários e de baixa velocidade, a física newtoniana funciona, afinal, continuamos caindo mesmo que questionemos o que é a gravidade...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A seleção do comportamento (III)

Todos os seres humanos possuem um repertório comportamental que é constituído como misto das experiências vivenciadas sobre uma base biológica. Um ponto crucial para o entendimento do comportamento humano é a compreensão de como a experiência é inscrita na biologia; essa é uma das chaves para os comportamentos normais e patológicos.

Analisando acuradamente o comportamento, podemos observar que a infância é uma das mais importantes etapas no estabelecimento da estrutura de comportamento de uma pessoa. Isso ocorre porque o sistema nervoso está susceptível para o recebimento de registros, especialmente emocionais, que balizarão o comportamento futuro, em direção à patologia ou à funcionalidade. Portanto, as relações da infância, especialmente as familiares, são fundamentais na consolidação destes registros.

Contudo, esses registros não são efetuados de forma intencional. Os mecanismos evolutivos parecem ter favorecido a reprodução inconsciente dos registros emocionais, posteriormente passíveis de serem modificados de forma consciente. Isso proporciona uma economia: se há um mecanismo padronizado (instintual) de registro de emoções relevantes, os processos de memória ao mesmo tempo são poupados, e posteriormente também orientam o sistema comportamental em direção ao que o sistema social e a família já selecionaram como relevante para a sobrevivência.

A vida adulta é orientada de forma não-consciente por estes registros, efetuados em regiões mais primitivas do cérebro. Isso explica em parte porque é difícil entendermos o nosso próprio comportamento, e é mais fácil compreender o comportamento alheio. Essa "cegueira" comportamental é, também, um efeito colateral destes registros inconscientes, visto que o acesso aos eventos mais precoces é restrito, mas com certeza nos influenciarão para o resto da vida.

sábado, 28 de junho de 2008

A seleção do comportamento (II)

Para analisar o comportamento de uma espécie como a nossa é necessário considerar um grande número de variáveis, porque a variabilidade de nossos atos é bastante grande. Entretanto, Kurt Lewin (1890-1947) propôs uma equação que sintetiza essa complexidade:

C=f(P, MA)

onde C é o comportamento (seja normal ou patológico), P diz respeito aos aspectos individuais de cada um (constituição biológica, temperamento, genética) e MA é o meio ambiente, físico (clima, espaço) quanto emocional/social (família, comunidade, amigos, etc.). Portanto, o comportamento é função, um resultado da interação entre os aspectos ambientais e individuais, e por isso ele é tão amplo.

Essa equação, contudo, não reduz a psicologia a algo inquestionável nem preciso, mas aponta que a complexidade de nosso comportamento deve considerar os elementos individuais e os elementos ambientais em sua geração, perpetuação e modificação. O senso comum das pessoas tende a resumir o comportamento humano a uma ou duas causas, no máximo, e de forma irrefletida, como por exemplo quando se diz que alguém tem crises nervosas por causa da separação, ou que alguém tem depressão porque perdeu o emprego ou porque não tem vontade de trabalhar e "se ajudar". Analisar as situações de forma tão simplista e superficial pode dar respostas rápidas, mas estas respostas nem sempre terão a precisão necessária para analisar o comportamento em suas nuances principais.

Se o comportamento é um produto da interação entre os aspectos pessoais e o meio ambiente, como entender que há "seleção" de comportamentos? Se isto existe, como se processa? Não somos senhores absolutos de nossos comportamentos, e não podemos fazer tudo o que gostaríamos de fazer, senão teríamos o caos social. Nosso comportamento é selecionado a partir do ambiente que vivemos pelo ambiente e pelo organismo: podemos compreendê-lo como um conjunto básico de atos (comer, dormir, etc.) que gradativamente vai se tornando mais complexo pela interação de nossa base cerebral, que vai amadurecendo, com o ambiente onde estamos inseridos. Isso explica por que uma família que tem comportamentos como diálogo e respeito tende a reproduzir estes comportamentos em seus filhos. Há seleção de comportamentos, mas ela é feita, muitas vezes, de forma involuntária, e passa a ser registrada no aparato neuronal das pessoas que compartilham esse mesmo sistema.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A seleção do comportamento

Tem-se como corolário na biologia que a ontogênese reproduz a filogênese. Em outras palavras, as estruturas biológicas vão surgindo no processo embrionário de forma a reproduzir, em linhas gerais, o caminho evolutivo de determinada espécie. Desta forma, é impossível diferenciar nas semanas iniciais um feto humano de um feto de peixe, mas posteriormente as características das espécies vão surgindo e definindo o novo ser.

O comportamento também passou por um processo evolutivo, sendo também um produto darwiniano. Nossa espécie tem um comportamento complexo, e essa complexidade certamente ocorre porque gerou uma vantagem evolutiva. Ter um cérebro capaz de processar informações de forma abstrata pode ter sido um elemento crucial que proporcionou a geração de um novo nicho ecológico para nossa espécie, e conseqüentemente uma vantagem considerável perante os predadores, fornecendo mecanismos mais eficazes que pudessem garantir a sobrevivência.

A psicologia do desenvolvimento ocupa-se de estudar como o comportamento humano ocorre na ontogênese, no desenvolvimento de cada novo ser. Seria, neste ponto, interessante considerar se o desenvolvimento do psiquismo humano, de alguma forma, pode reproduzir a filogênese dos nossos comportamentos como espécie. Não se quer com isso reduzir o comportamento humano exclusivamente a um processo biológico de amadurecimento do cérebro, mas sim considerar a possibilidade de ver na psicologia do desenvolvimento uma ferramenta potencial para descobrir os passos utilizados pela evolução das espécies para a seleção do comportamento humano. Se for este o caso, a observação do desenvolvimento mental da criança e a comparação deste com espécies de primatas próximos pode ser uma chave para compreender o nascimento da mente.

domingo, 13 de abril de 2008

O cérebro reptiliano

Uma das estruturas mais interessantes originadas pelo processo de seleção natural é o cérebro humano. Ao mesmo tempo capaz de realizações que transcendem a biologia, como a criação da cultura, ele é enigmático porque possui uma dimensão primitiva, irracional, que influencia em grande medida nosso comportamento. Mas por que há esse primitivismo?

De acordo com a teoria da evolução, as estruturas que concedem vantagens evolutivas para uma espécie tendem a se reproduzir. Lentamente uma espécie vai passando por modificações, até que, após milhares de anos, pode haver o surgimento de uma nova espécie. Contudo, as espécies que descendem acabam herdando as estruturas dos antepassados, pois elas passaram pelo "teste" da seleção natural. Uma característica ou órgão desaparecem se diminuem as chances de sobrevivência; se não desaparecerem, a espécie é que pode acabar sendo extinta.

Num ambiente, várias podem ser as soluções estratégicas para a sobrevivência das espécies, e cada uma destas estratégias leva em conta a herança e as modificações provocadas pelo ambiente. Por exemplo, se num determinado ecossistema houver o aumento do número de predadores, haverá uma modificação no número de presas; quando estas escassearem, os predadores que tiverem mais facilidade para se adaptar ao novo contexto de presas escassas terão mais chances de sobrevivência, e as espécies menos flexíveis terão suas populações diminuídas.

Com o aumento da complexidade da natureza, o processo de seleção natural acaba constituindo caminhos interessantes como alternativas de sobrevivência. A cooperação parece ser uma destas vias. As espécies que cooperam utilizam formas coletivas de proteção e aviso, e isto faz com que a coletividade passe a se assumir como um tipo de "superorganismo", capaz de realizar funções que individualmente não seriam possíveis. Um exemplo deste tipo de organização são as abelhas; outro exemplo, os seres humanos.

No caso da nossa espécie, contudo, a composição é bastante interessante: ao mesmo tempo que somos capazes de cooperar, temos uma "herança" reptiliana de comportamentos predatórios. Por óbvio que este comportamento teve vantagens evolutivas, pois de outra forma não poderiam estar presentes em nossa espécie, e é essa combinação faz com que nosso comportamento tenha tantas variações. Ao mesmo tempo que somos capazes de construir comunidades, como espécie somos incapazes de deixar de lado comportamentos altamente destrutivos como o preconceito e as guerras. Se a evolução manteve um repertório de comportamentos predatórios, também favoreceu o surgimento de outras estruturas que permitiram o aparecimento do pensamento, da racionalidade e da linguagem. O mosaico está formado.

A irracionalidade de nossos comportamentos remonta às estruturas mais primitivas de funcionamento cerebral, enquanto que o pensamento e a linguagem remontam às estruturas mais recentes: isso explica por que os bebês choram antes de aprender a falar. Durante o processo de desenvolvimento do organismo, gradativamente o lado primitivo de nosso comportamento passa ao controle, ao menos parcial, dos aspectos racionais, e esse movimento permite a conquista da socialização, da mesma forma que estruturas sociais são condicionadas por elementos irracionais. Mas nunca abandonamos a forma de agir "reptiliana", e isso aparece quando o tom emocional de alguma situação exige mais do nosso aparato racional do que ele pode dar. Nesta hora, o réptil que há em nós desperta.

domingo, 30 de março de 2008

O recuo de Deus

Ao analisarmos a história das ciências, observamos que gradativamente o pensamento racional avançou no campo de conhecimentos menos precisos, o que permitiu uma modificação e um controle cada vez maior dos processos da Natureza e de como a compreendemos. Este movimento foi observado inicialmente no pensamento mitológico e depois se instaurou no campo religioso.

Por que ciência e religião entram, costumeiramente, em conflito? Porque ambas propõem explicações e métodos diferentes sobre como o mundo funciona. A ciência visa compreender e modificar o mundo a partir de evidências obtidas por experimentos, ou seja, o mundo precisa ser "testado" para que se veja como ele funciona. Na religião, esse critério é dispensável: não é obrigatório que a pessoa teste o mundo para explicá-lo, mas é fundamental a crença na ação de um agente superior. Portanto, o conhecimento é diferente porque o método de obtenção deste conhecimento é diferente.

O conflito começa quando a ciência busca testar temas que são considerados sagrados, como é atualmente o caso das células-tronco e da pesquisa genética com seres humanos. Esses assuntos encarnam as modernas discussões teológicas que antes tinham lugar na astronomia. Talvez hoje nem nos assombremos pelo fato de ter sido demonstrado que a Terra gira em torno do Sol, mesmo que nossos sentidos digam o contrário, mas nos séculos XVI e XVII esse pensamento causava um desconforto tão grande na forma como o mundo era percebido que os cientistas foram muito atacados. O tempo mostrou que a ciência venceu, porque ela testou a realidade.

Nesses movimentos da investigação científica, a idéia de Deus recua cada vez mais, e quanto mais a ciência caminha, parece haver cada vez menos espaço para este recuo. Se antes podia-se pensar que ele estava nos céus, hoje as explicações sobre Deus são diferentes, e se diz que sua presença se manifesta na física quântica, ou que ele é uma "energia" que permeia todas as coisas. Até onde esse recuo irá?

Na verdade, algumas questões precisam ser colocadas aqui. Quando se discute ciência e religião, religiosos podem combater a ciência como se ela fosse uma forma concorrente de crença, um tipo "diferente" de religião. Esse argumento não tem validade, porque o método que a ciência usa é a melhor garantia que se tem que o conhecimento obtido pelo experimento não vai se tornar um dogma. Podemos não acreditar na eletricidade, mas isso não vai impedir que ela continue existindo, independente de nossa crença. O grande trunfo da ciência é que ela se auto-atualiza, e faz isso baseando-se em evidências.

Depois, é fundamental separar duas características da religião: uma é a tentativa de explicar a existência das coisas, e a outra é o consolo que ela dá para o desamparo humano. Quanto se fala de ciência, é bastante clara a separação entre estas duas partes: as ciências duras explicam como as coisas funcionam, e a psicologia, como ciência soft, busca compreender de onde vem nosso sentimento de desamparo. Mas na religião, essa separação não é nítida. Ao mesmo tempo, ela responde a várias perguntas fundamentais: quem somos, porque existimos e qual é o sentido de nossa existência. Portanto, uma das coisas que torna a religião poderosa é que ela serve a múltiplos propósitos, coisa que a ciência não faz; as respostas que ela dá podem ser interligadas e, ao mesmo tempo, satisfazer muitas de nossas necessidades, não só a de conhecimento, mas a de sentido de existência e de afeto.

Apesar disso, é interessante observar que a religião muitas vezes deseja uma legitimação da ciência. Por que isso ocorre? Porque a ciência tem um tipo de conhecimento que a religião não possui, que é a possibilidade - e o fato - de manipular o mundo de uma forma mais precisa. Talvez isso mova muitos religiosos em direção ao pensamento científico, assim como muitos cientistas buscam uma aproximação com a religião visando respostas que a ciência não tem conseguido dar ou que julgam insatisfatórias.

Psicologicamente, a idéia de Deus tem muita influência, e talvez a última fronteira deste recuo seja a mente humana. De certa forma, podemos dizer que ela volta, ao fazer isso, de onde saiu. É possível que, em vista das necessidades humanas, ela encontre um abrigo seguro aí para sempre. Mesmo que haja pessoas que não acreditem na existência divina com base no que se sabe de ciência, grande parcela da população ainda necessitará da idéia de Deus lhe trazendo consolo e orientando seu comportamento.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A formação científica no ensino superior

O patrimônio cultural de um povo pode ser estimado pelo nível de educação. Mas tão ou mais importante que o nível de educação formal é o que realmente se aprendeu, pois é isso que permite o domínio de um determinado conhecimento, que realmente faz a diferença. Isso significa que, muito mais do que a escolaridade ou ter um diploma superior, é aquilo que uma pessoa realmente consegue fazer, o seu grau de domínio prático da área, que vai mostrar se ela é ou não competente.

E nesse mister o pensamento científico é uma grande ferramenta. Os progressos tecnológicos da humanidade somente ocorreram porque pessoas corajosas desafiaram e desafiam idéias pré-concebidas, oferecendo uma visão mais precisa sobre como o mundo funciona. Mas para se ter uma visão diferente das coisas, é necessário pensar, e aí começa um problema. Como professor, tenho trabalhado há um certo tempo com turmas em diferentes níveis do ensino superior, e observo, infelizmente, que a maioria dos alunos possui carências severas de conhecimento científico. Poucos são os que gostam, entendem e estudam ciência, mesmo que não digam respeito diretamente ao seu curso superior. Isso limita grandemente os recursos intelectuais e a capacidade de inovação em uma área do conhecimento, pois a tendência é que se restrinjam as leituras numa área do conhecimento, fazendo com que as demais sejam mesmo desprezadas.

Nesse contexto, cabe muitas vezes ao professor do ensino superior resgatar, ou criar, no aluno um sentimento de curiosidade sobre o conhecimento. Além do conhecimento técnico necessário a qualquer profissão, é fundamental que o aluno saiba pensar as dificuldades e os desafios que serão impostos pelo contexto do trabalho.

Esse é um desafio pedagógico gigantesco para o professor, pois esta tarefa será bem executada se, além do conhecimento em profundidade em sua área, ele tiver também disponibilidade e conhecimento em áreas próximas. Essa relação de áreas de conhecimento se constitui no elemento mínimo indispensável para um ensino multidisciplinar, que é um dos elementos que vai diferenciar um profissional competente de um profissional mediano.